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PANDEIRO, PALMA DA MÃO E CORES: PEDRA DO SAL GANHA MURAL QUE HOMENAGEIA ÍCONES DO SAMBA

Quem visitava as clássicas rodas de samba da Pedra do Sal era recebido com batidas na palma da mão, pandeiro, tambores e prato-e-faca. Hoje, no lugar do samba e da cantoria — suspensos devido à pandemia de Covid-19 — o lugar ganha um outro tipo de energia: o colorido dos murais. Pintadas por diferentes artistas da cidade, as obras retratam ícones marcantes da cultura nacional, dando cor e voz ao palco do surgimento do samba.

É ali, nos paredões acima da famosa Pedra do Sal, importante símbolo histórico e cultural carioca, que o concreto ganhou novos tons. Representando a luta e a resistência cultural do lugar, figuras como Tia Ciata, Pixinguinha, Heitor dos Prazeres e João da Baiana foram homenageadas. Por meio de um mural com cinco pinturas, os artistas destacam a importância desses rostos para a cultura brasileira.

A ideia nasceu como a letra de um samba: resistência popular. A iniciativa ganhou vida por meio de Wagner Trancoso, professor de educação artística, que recebeu a sugestão de um morador daquela área, mais conhecida como “Pequena África”. Entusiasmado, o artista chamou outros quatro amigos para se juntarem a ele.

“Eu tenho um projeto que trabalha a reconstrução da pichação para arte. Um desses rapazes que trabalharam com ele é morador ali da Pedra do Sal. Ele perguntou se eu não queria fazer uma pintura lá. Aceitei. Eu precisava produzir alguma coisa e levar pra escola onde eu dou aula. Vai ajudar muito na formação dos meus alunos. É um lugar histórico, muita coisa aconteceu”, conta Trancoso.

Naquele local, rodeado por edifícios e antigos casarões, ecoam grandes capítulos da história da cultura carioca e do Brasil: há centenas de anos, este mesmo local servia como ponto de embarque e desembarque de sal e também era um mercado de escravos. Assim, a Pedra do Sal passou a ser o refúgio histórico dessa grande comunidade, se tornando o lugar onde escreviam seus versos e celebravam sua cultura.

O grupo de artistas repetiu uma velha tradição: ali, o compositor João da Baiana se reunia com famosos amigos: Donga, Heitor dos Prazeres e Pixinguinha. Tudo isso dentro das casas das tias baianas, mulheres negras que eram famosas pela culinária. A mais conhecida e importante delas, Tia Ciata, ganhou um mural do tamanho de sua importância.

“Nós queríamos resgatar a cultura do local, retratar o legado que ele tem pro Rio e pro Brasil. O grupo se reuniu e conversou. Quantas pessoas importantes passaram por esse lugar, quanta história esse espaço produziu e ainda vai produzir. Eu escolhi a Tia Ciata por ela ser uma pessoa ímpar. Aquele lugar sem a Tia Ciata não seria o mesmo. Ela precisa de destaque por toda luta, por tudo que ela fez, ela é uma rainha, é a matriarca do samba”, destaca Ipojucã de Jesus, um dos artistas.

A proposta era trazer as identidades visuais de cada um dos pintores. Elementos como as ‘casinhas coloridas’, de Trancoso, e a técnica do estêncil, de Ipojucã, são algumas das características impressas no projeto.

Além dos famosos rostos que foram retratados, um dos painéis traz uma mistura cultural. Em um deles, o artista Jaime Arteiro pintou componentes de ascendência africana, como o atabaque, os búzios e a capoeira.

Aquela escadaria, uma vez cercada por pessoas, hoje nos leva a uma viagem no tempo por meio de pinturas que revivem a história do local. Se aquelas paredes, e, principalmente as pedras falassem, imagine quanta história elas poderiam nos contar.

Texto: Pedro Dias | Fotos: Bruno Bartholini