8ª EDIÇÃO DA FLUP DESTACA O FEMINISMO NEGRO E CELEBRA A POESIA FALADA
Museu de Arte do Rio recebe festival literário que homenageia o poeta pernambucano Solano Trindade
Símbolo da herança africana, a Região Portuária da cidade recebe a 8ª edição da Festa Literária das Periferias (FLUP). De 16 a 20 de outubro, o festival desembarca no Museu de Arte do Rio (MAR) e lança luz sobre o feminismo negro e a poesia falada, dois movimentos que redesenharam a produção cultural do País neste século. As mesas abertas ao público contarão com grandes nomes da literatura e de movimentos mundiais, como Funmilola Fagbamila (uma das criadoras do Black Lives Matter) e a francesa Audrey Pulvar, uma das maiores referências no tema do momento: conflitos socioambientais. Durante a festa, a entrada nas exposições do MAR será gratuita para todos, e as principais mesas contarão com acessibilidade em libras.
Em 2019, o homenageado da FLUP será o poeta pernambucano Solano Trindade, pioneiro na arte “assumidamente negra” no Brasil, cuja poesia e biografia foram marcadas pela valorização da cultura africana no Brasil. Artista múltiplo, Trindade foi responsável pelo I Congresso Afro-Brasileiro, em 1934 no Recife, e pela fundação da Frente Negra Pernambucana e do Centro Cultural Afro-Brasileiro. O Teatro Folclórico Brasileiro, criado em 1944, também teve suas digitais.
“Homenagear Solano Trindade, o poeta da negritude, do engajamento, da arte popular e da migração, só teria sentido no Brasil de hoje se propuséssemos um diálogo com todas as camadas de significado de sua obra. Em termos de programação, tentamos traduzir sua noção de vanguarda convidando mulheres negras das mais diversas partes do mundo e do Brasil, na medida em que entendemos que, quando uma mulher negra se move, todas as estruturas se abalam, principalmente na cidade que assassinou Marielle Franco. Nossa curadoria também se pautou pelo fato de que Solano era um artista múltiplo, que ora recorria à poesia, ora ao teatro, ora às artes plásticas, sempre usando o fazer artístico para tornar esse mundo um lugar melhor para nossos filhos. Daí uma programação que foi muito além de um festival literário, namorando com o slam, a performance, a música e as artes plásticas”, destaca Julio Ludemir, um dos fundadores da FLUP.
Para a diretora executiva do MAR, Eleonora Santa Rosa, a realização da FLUP no museu reforça o comprometimento da instituição com seus valores educativos e culturais. “Nesta parceria estratégica, o MAR, que tem atuado na zona portuária e em outros territórios da cidade com um alentado e ousado programa de atividades de formação, mobilização, cooperação, provocação e extensão, não só abraça, mas assume, em sua face mais resiliente, a FLUP. Mais do lhe que ceder espaço ou colaborar para sua viabilização econômica, o MAR afirma sua crença e compromisso com a força e inteireza da arte, da cultura e da educação em território expandido de livre-pensamento, afeto e comportamento”, diz Eleonora.
Mulheres negras são destaque na 8ª edição da FLUP
A Festa Literária abre a programação na quarta-feira, 16 de outubro, a com a tradicional revoada de balões na Praça Mauá, que este ano homenageia Ecio Salles, lançando a letra de “Herdeiros”, canção de autoria do cofundador da FLUP, que faleceu em julho deste ano. A revoada dos balões marca a inauguração da exposição “O Samba é Assim”, encontro entre os rostos mais relevantes do samba, captados pelas lentes penetrantes do fotógrafo carioca Ierê Ferreira e o Inside Out, projeto do fotógrafo francês JR. Logo na entrada do MAR, o Sarau da Marquise traz um grupo de poetas em situação de rua declamando poemas de sua própria autoria e, na abertura solene, a exibição do filme “Vivxs” representa um manifesto em defesa da vida da juventude negra de todo o mundo. A primeira mesa do festival “Por que umas e não outras?”, com Cidinha da Silva, Flávia Oliveira, Giovana Xavier e Márcia Licá e mediação de Ana Paula Lisboa, reflete sobre a leitura como instrumento de mobilidade social e os desafios de fazê-la chegar à periferia. À noite, nos Pilotis do MAR, familiares de Solano Trindade apresentam poesias do autor pernambucano, enquanto Lenine faz show em homenagem ao centenário de Jackson do Pandeiro, uma de suas principais influências musicais. Para encerrar o primeiro dia de evento, a Maracatumba/ Caxambu do Salgueiro comanda um cortejo que vai do Museu de Arte do Rio até o Largo de São Francisco da Prainha.
No dia 17, a partir das 14h, a programação segue com a apresentação do poeta Bruno Black (Xexelento da Peri) e a mesa “Questão de Cor”, que traz o artista francês e responsável pela cenografia do evento, Alexis Peskine, e a curadora de artes do Afropunk, Ami Weickaane, para debater o espaço dos negros no mercado das artes. Em seguida, em “Meu corpo, meus versos”, duas potentes vozes do feminismo negro, Akua Naru e Preta Rara, discutem o machismo e as mudanças no rap desde que a mulher se apropriou de suas ferramentas. Por fim, a mesa “Com quantas Áfricas se faz uma Diáspora” reúne Ana Paula Lisboa, Maboula Soumahoro, Natasha A. Kelly e Rama Thiaw, mulheres de diferentes origens, para debater a diversidade do continente africano – que vem sendo tratado como um único país em crise.
O terceiro dia de FLUP, 18 de outubro, chega para questionar o sexismo, racismo, discriminação de idade, homofobia e gordofobia. O debate “E nós não é mulé não, essa minina?” abordará os avanços do feminismo negro no Brasil, com Akuenda Translésbicha, Beth de Oxum e Luna Vitrolira, além de performance de Luiz do Sol. No Pilotis, acontece o lançamento de “A Poesia Falada Invade a Cena em Sobral”, com Luiz do Sol e Fran Nascimento. Às 19h, a pré-estreia do documentário “Quadro negro”, fala sobre a primeira geração de universitários negros que participaram de ações afirmativas implementadas no governo Lula. Na mesa “A carne mais barata do mercado não é mais a carne negra”, importantes integrantes dos movimentos Afropunk e Black Lives Matter , Ami Weickaane e Funmilola Fagbamila, debatem o ativismo negro.
No sábado (19), a FLUP Parque tem programação especial infantil a partir das 10h e o sarau “Amanhã será melhor” ocupa o auditório com a declamação de poemas de Solano Trindade por estudantes da unidade Engenho de Dentro do Colégio Pedro II. A tarde chega com a mesa “Por que há tantos brancos aqui?”, com Anta Helena Recke e Funmilola Fagbamila, uma das criadoras do movimento Black Lives Matter apresenta performance sobre identidade política negra “Woke Black Folk”. Na sequênciaa mesa “Yes, nós temos pesticida” com a participação da jornalista francesa Audrey Pulvar. Ela abordará como os corpos negros têm sido as maiores vítimas dos conflitos socioambientais e da apropriação dos recursos naturais. Nos pilotis, Ana Maria Gonçalves e Conceição Evaristo recebem o prêmio Carolina Maria de Jesus, que homenageia personalidades que tiveram sua vida transformada ou que transformaram a vida de outrem pela literatura. No auditório, o painel “Pérolas Negras” recebe Cleissa Regina, Isabela Aquino, Marcos Carvalho, Mariana Jaspe e Viviane Laprovita. A noite encerra no Largo de São Francisco da Prainha, e a festa fica por conta da Roda de Coco com Beth de Oxum.
No último dia, domingo (20), a FLUP Parque segue com a programação voltada para as crianças com oficina em homenagem a Malala, jovem paquistanesa que enfrentou a violência do Talibã pelo seu direito de estudar. Na parte da tarde, a atuação teatral negra é a grande protagonista. “Teatros negros, uma história ainda a ser escrita” mostra quem são os ancestrais do teatro negro brasileiro e a mesa “Filhas e filhos – Um teatro negro renovado” apresenta um misto de debate e performance com dramaturgos que estão renovando a cena. Às 15h, será apresentada a peça “Solano, Vento Forte Africano”. No final da tarde, a mesa “Ocupação do teatro negro — de repente, o main-stream” mostra que os artistas negros venceram as fronteiras do gueto, a exemplo de sucessos como Dona Ivone Lara, Cartola e Elza Soares. Para fechar a programação, a jornalista Flavia Oliveira, Maria Gonçalves e Roberta Estrela D`Alva entrevistam Patricia Hill Collins, uma das formuladoras do conceito de interseccionalidade. Ela mostra a evolução do pensamento feminista negro, tema de seu livro clássico, que chega ao Brasil quase 30 anos após seu lançamento em 1990.
A força da poesia
Grande destaque da FLUP e realizado desde 2014, o Rio Poetry Slam é a primeira e maior competição de poesia falada da América Latina. A 6ª edição terá como novidade o fato de que seus 15 participantes serão mulheres negras, tanto nas batalhas internacionais quanto nas nacionais – um cenário inédito na disputa. A curadoria é assinada pela slammer Roberta Estrela D’Alva, principal responsável pela chegada do Poetry Slam ao País. O encontro vai reunir competidoras de países como Brasil, Nigéria, Holanda, Escócia, Angola, Canadá, Alemanha, Bélgica, Moçambique, Estados Unidos, Gabão, Áustria, Costa Rica, Portugal e França. A apresentação das batalhas contará também com a presença das organizadoras do Slam das Minas do Rio de Janeiro, uma das principais plataformas de visibilidade da mulher negra da periferia carioca.
Durante os cinco dias de FLUP, as batalhas de poesia falada se dividem entre a Casa Porto e o pilotis do MAR, das 14h às 22h. A grande final será no domingo (20), no MAR, às 20h. A entrada é gratuita. Para além da semana de atividades aberta ao público, a Festa Literária das Periferias realiza ao longo do ano a FLUP Pensa, que oferece cursos de formação para escritores. O programa já resultou na publicação de 20 livros com autores das periferias cariocas como Ana Paula Lisboa, Yasmin Thayná e o fenômeno Geovani Martins, jovem morador da Rocinha que teve o livro de estreia lançado em mais de 10 países. Na edição deste ano, as atividades foram dedicas ao músico Marcelo Yuka, que faleceu em janeiro deste ano.
Parte das atividades da FLUP Pensa, o Laboratório de Narrativas Negras, uma parceria com a TV Globo, ampliou este ano a sua área de atuação e contou com não menos que 11 dos 34 participantes provenientes de estados São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Rio de Grande do Sul. No sábado (19), às 16h, os participantes falam da importância do projeto em suas carreiras. A iniciativa tem como objetivo formar e visibilizar roteiristas negras e negros, o que faz da FLUP uma plataforma para que a primeira geração de roteiristas negros saia do gueto e se insira no mercado, como foram os casos de Cléssia Regina, Mariana Jaspe e Marcos Carvalho.
Sobre a FLUP
Mais de 120 mil pessoas e 700 autores nacionais e internacionais já participaram das atividades da Festa Literária das Periferias desde 2011, ano da sua primeira edição. Antes de chegar à parte central do Rio, na região da “Pequena África”, que engloba bairros como Gamboa e Saúde, o festival foi realizado em comunidades cariocas como Morro dos Prazeres, Vigário Geral, Mangueira, Cidade de Deus, Babilônia e Vidigal, territórios tradicionalmente excluídos dos programas literários. A iniciativa já foi reconhecida com os prêmios “Faz Diferença”, de 2012, oferecido pelo jornal O Globo, e o Excellence Awards de 2016, da London Book Fair. Assim como todas as edições anteriores, a programação deste ano é gratuita.
Festa Literária das Periferias (FLUP) 2019
Data: 16 a 20 de outubro de 2019
Endereço: Museu de Arte do Rio (MAR) – Praça Mauá, Centro, Rio de Janeiro
Horário: das 14h às 23h30 (quarta, quinta e sexta) e das 10h às 23h30 (sábado e domingo)
Entrada: Grátis
Para mais informações, visite o site da FLUP